sábado, 8 de dezembro de 2018

[REPOST] - MULHERES NA DIREÇÃO | TOMBOY (2011)


Descrição da imagem: a atriz Zoé Herán como o personagem Mikael, de cabelos curtos, olhos claros, expressão séria e veste uma blusa branca e um casaco azul caindo pelos ombros. Atrás está uma parede com papel florido.



Obs: Texto escrito originalmente em setembro de 2017




Filmes que retratam a infância ou fazem um recorte sobre essa fase da vida humana muitas vezes são extraordinariamente profundos e exaltam a importância que existe na perspectiva do olhar da própria criança sobre o mundo à sua volta e principalmente sobre quem ela é. Tomboy é um desses filmes, mas que traz um aspecto a mais: retrata de forma bastante sutil e interessante a identidade de gênero na infância.



Dirigido pela francesa Céline Sciamma, o filme conta a história de Laure, uma menina de 10 anos que se identifica mais como um garoto. Quando ela e sua família se mudam para um novo bairro, ela começa a se apresentar como Mikael para seus novos colegas de vizinhança.



A forma como o roteiro e a direção lidam com questões de identidade de gênero são muito bem executadas, nunca estereotipando sua personagem uma vez que o foco da trama é desenvolver as descobertas de Mikael sobre sua personalidade e individualidade bem como a maneira como se enxerga para estar bem consigo mesma. Outro ponto muito relevante é a construção das relações afetivas entre a protagonista e os outros personagens. A relação entre Mikael e sua irmãzinha, Jeanne, é muito meiga e delicada e todas as cenas em que acontecem suas brincadeiras são de uma natureza encantadora.  O carinho que Jeanne demonstra por Mikael mostra de fato a cumplicidade que existe entre irmãos e ressalto aqui como crianças são muito mais aptas a entender a importância de valorizar a verdadeira identidade de cada um. Digo isso porque é muito bonita a forma como Jeanne compreende Mikael e sua escolha de ser como é, da maneira mais natural possível, como deveria ser na nossa sociedade. (E infelizmente vemos que há um preconceito enorme, principalmente em nosso país). As pessoas precisam entender a importância que existe no respeito pela identidade de cada um.

Descrição da imagem: Jeanne está em pé cortando o cabelo de Mikael com uma tesoura.


De início, Mikael tem a facilidade de se enturmar com os garotos da vizinhança e com Lisa, a única garota do grupo, que parece ter uma paixãozinha por Mikael e o interessante é que a diretora não procura sexualizar essa relação entre as duas personagens, afinal, como eu disse antes, o foco do filme é justamente a descoberta de identidade. As cenas entre Mikael e Lisa são também muito delicadas e meigas e há uma específica, onde a amiga passa maquiagem no rosto de Mikael e diz: “Você seria uma menina linda”. De fato, Mikael tem seu rosto e traços bastante femininos, mas ela não se sente bem como uma garota e essa percepção interna é muito importante para aos poucos Mikael ir se afirmando como realmente é. Embora Mikael passe a se sentir à vontade com suas novas amizades, há um empecilho que começa a gerar um certo incômodo dentro de si: o seu próprio corpo. E mais uma vez precisamos dar o crédito à diretora pela forma como ela filma e retrata sutilmente os momentos em que sua protagonista passa a indagar em sua cabeça sobre sua própria anatomia.



A atriz Zoé Héran interpreta Mikael com uma maturidade tão deslumbrante que impressiona o expectador. A sua performance e sua compreensão para com o desenvolvimento  de sua personagem  foram essenciais para a construção de toda a obra. Fico muito feliz por ela ter levado um prêmio por esse filme (ela ganhou como Melhor Atriz no Buenos Aires International Festival of Independent Cinema). Sua sensação de conforto assim como seus questionamentos e como ela projeta através de suas ações a sua autoafirmação numa cena tão sutil e ao mesmo tempo tão grandiosa (uma das cenas finais do filme), faz com que Zoé Héran esteja na lista das melhores performances infanto-juvenis do cinema.

Descrição da imagem: Lisa, de cabelos soltos e vestindo blusa lilás, está de frente á Mikael e cobre os olhos deste com suas mãos. Os dois estão próximos a um lago e algumas árvores. 




A diretora Céline Sciamma também faz um trabalho magnífico com esse filme e tem uma sensibilidade em como filmar uma personagem com muitas camadas e todas as relações entre ela e seus coadjuvantes, tornando o filme leve e muito acessível até para aqueles que não são acostumados com o estilo de cinema independente da Europa. Além disso, a forma como ela traz à tona um tema contemporâneo e muito importante, que hoje em dia gera inúmeras discussões, faz com que esse filme se projete como uma obra essencial para o cinema LGBTQ+ e para todos, afinal, é uma obra super atual feita com muito coração e que reflete o quanto é importante o respeito à identidade e individualidade de cada um.



O retrato honesto e orgânico da infância também é outro aspecto que precisa ser reconhecido neste filme e Sciamma procura buscar elementos poéticos e também técnicos que pontuam a realização do longa dentro dessa temática. E todos esses elementos, desde uma fotografia sempre clara e ensolarada até planos abertos e outros mais intimistas, fazem de Tomboy uma obra que dialoga com a atmosfera em que seus personagens estão inseridos tornado a história verdadeira.  A habilidade que a diretora tratou de tal assunto é inspiradora assim como o mote principal sobre a autodescoberta de Mikael e todas essas qualidades transformam-no em um filme mais que especial.




Trailer legendado




FICHA TÉCNICA:

Gênero: Drama
Direção: Céline Sciamma
Roteiro: Céline Sciamma
Elenco: Zoé Héran, Malonn Lévana, Jeanne Disson, Sophie Cattani, Mathieu Demy, Rayan Boubekri, Yohan Vero, Noah Vero, Cheyenne Lainé, Christel Baras, Valérie Roucher

Produção: Bénédicte Couvreur
Fotografia: Crystel Fournier
Trilha sonora: Jean-Baptiste de Laubier, Jerôme Echenoz
Edição: Julien Lacheray
Design de produção: Thomas Grézaud, 
País: França
Ano: 2011



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