Obs: Texto originalmente escrito em janeiro de 2018
2017 foi um ano recheado de novas produções televisivas e
muitas delas se destacaram por sua qualidade narrativa, estilo e principalmente
pelos temas abordados. Outro aspecto que destaco foi a presença de mulheres
incríveis envolvidas nessas produções, seja protagonizando estas histórias ou
por trás das câmeras, comandando episódios magníficos.
A minissérie Alias
Grace entra para o grupo de histórias marcantes lançadas ano passado (em
novembro, mais precisamente) e é baseada em uma história real e no romance
escrito por Margaret Atwood - que
também escreveu O Conto da Aia (The Handmaid’s Tale). Lançada pela
Netflix, ela é um tipo de história fantasticamente diferente sobre o poder
feminino e traz em sua direção a maravilhosa Mary Harron (diretora de Psicopata
Americano) e no roteiro da incrível Sarah
Polley (Histórias que Contamos).
Enquanto The Handmaid's Tale faz um
estudo social moldado na desesperança e dor de existir dentro de um sistema
desumanizante, Alias Grace realiza
algo muito mais sutil em mostrar uma história também feminista e cheia de
camadas sobre como as mulheres são tratadas pelo sistema.
No decorrer
de seus 6 episódios, acompanhamos a vida de Grace Marks (interpretada por Sarah Gadon), uma ex-empregada que foi
condenada à prisão pelo assassinato de seu patrão, Thomas Kinnear (Paul Gross) e da governanta Nancy Montgomery (Anna Paquin), no Canadá do século XIX. À medida que ela sofre os abusos dos sistemas de prisão e asilo, um pequeno núcleo de espectadores da classe alta defende sua inocência - aparentemente fora do altruísmo do progressismo social. Para esse fim, o psiquiatra Dr. Simon Jordan (Edward Holcroft) é chamado para avaliar o estado mental de Grace e verificar a verdade de sua culpa ou inocência.
Descrição da imagem: o Dr. Jordan sentado em uma cadeira segura um lápis e um livro de anotações. Ele possui um olhar de curiosidade e está com a testa franzida. |
Grace é
totalmente oprimida: encarcerada, abusada e silenciada, ela flutua como uma
curiosidade e como uma "assassina célebre" para o povo da cidade. No
entanto, a minissérie desenvolve o poder de Grace engenhosamente mostrando toda
sua força para sobreviver àquele lugar e àquelas pessoas. Grace segura todas as
rédeas em suas mãos, especificamente por causa da posição aparentemente
impotente em que seus "superiores" a colocaram. Assim como June em The Handmaid’s Tale, Grace sabe que
precisa usar da manipulação para sobreviver numa sociedade opressora.
A primeira
característica marcante em que a série se constrói é através do sua narrativa:
grande parte da história é contada em vários voiceovers, principalmente com Grace, enquanto ela oferece ao Dr.
Jordan exatamente o que ele veio descobrir: a versão dela da história. Mas esse
é precisamente o cerne da narração da série. Grace é responsável pela
narrativa, e ela é uma contadora de histórias magistral. Os padrões
particulares de seu discurso - cuidadoso, sério e tão finamente trabalhado como
as costuras nas colchas que ela costuma fazer continuamente - vem caracterizar
seu controle sobre a narrativa. Enquanto o Dr. Jordan e seus outros benfeitores
se apegam a ela por respostas, ela entende que controla aquela história e o que
eles aprendem e acreditam.
O segundo
elemento que dá a Grace seu poder - e é aí que série atinge sua nota mais forte
- é o fascínio mórbido com o sofrimento das mulheres. Observamos o Dr. Jordan
devorar cada pedaço da história de Grace - isto é, cada perda subseqüente,
abuso e devastação. Mas simultaneamente, o público se apega aos mesmos detalhes
horríveis. Grace torna seu sofrimento algo que fascina seus ouvintes (nós e o
Dr. Jordan). Ela o usa como moeda e ao mesmo tempo como acusação para a
multidão de aristocratas que, por um lado, estão fascinados com sua célebre
assassina e, por outro lado, com todo o espiritismo e a comunicação com os
mortos.
Nada disso
seria uma excelente narrativa sem a impressionante precisão das performances de
seu elenco, principalmente Sarah Gadon
como Grace e Rebecca Liddiard, como
a melhor amiga dela, Mary Whitney. As duas atrizes mostraram performances
fortes e cativantes que se entrelaçam com as voltas da história e nos dão a
compreensão multivalente da narrativa que faz a série brilhar. A direção de Mary Harron é excepcional, com
enquadramentos inteligentes e escolhas que enaltecem as expressões de sua
protagonista, mostrando como Sarah Gadon
é incrível, numa atuação que carrega muitas nuances e profundidade. Além disso,
há a bela fotografia da série assinada por Brendan
Steacy e o design de produção feito por Arvinder Grewal, onde juntos são peças
fundamentais para a construção da época retratada.
Claro, como
em The Handmaid's Tale, é quase
impossível assistir a Alias Grace
fora do contexto dos eventos atuais em Hollywood. Com a campanha #MeToo nas mídias sociais e as
acusações derrubando homens poderosos de seus pedestais bem como a onda de
conservadorismo que vê a mulher como subalterna e apenas reprodutora,
obras como estas, são essenciais dentro da cultura pop, tocando em temas
universais e relevantes. Alias Grace
é uma história sobre uma mulher esmagada no fundo da pilha social pelo fato de
ser mulher, cujos abusos são muitas vezes os abusos cometidos em mulheres que
não têm voz para denunciar esses ataques. Mas a Grace mais velha e maltratada
com esses abusos que a roubaram de sua liberdade usa sua voz - a força
narrativa - para manipular suas desvantagens e derrubar os homens que a
manipularam - ou pelo menos, para roubá-los especificamente de seu poder sobre
ela.
Trailer legendado
FICHA TÉCNICA:
Gênero: Drama
Número de episódios: 6
Direção: Mary Harron
Roteiro: Sarah Polley
Elenco: Sarah Gadon, Edward Holcroft, Rebecca Liddiard, Zachary Levi, Paul Gross, Anna Paquin, Kerr Logan, Stephen Joffe, David Cronenberg, Sarah Manninen, Alice Snaden, Mag Ruffman, Claire Armstrong, Jonathan Goad, Samantha Weisntein, Kate Ross
Produção: Sarah Polley, D. J. Carson
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