segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Mulheres na Direção #1 | Garota Sombria Caminha Pela Noite (2014)


Para abrir a coluna, escolhi um filme interessante e nada convencional para os padrões do cinema vampiresco que muitos estão acostumados a assistir. Garota Sombria Caminha Pela Noite é escrito e dirigido por Ana Lily Amirpour, cineasta britânica radicada no EUA e com ascendência iraniana e que faz filmes desde os 12 anos. Esse foi seu primeiro longa-metragem e já mostrou o suficiente para atesta-la como uma diretora promissora e que merece um olhar especial em seus futuros trabalhos. Lançado em 2014, Garota Sombria foi destaque no Festival de Sundance daquele ano e ganhou diversos prêmios em outros festivais mundo afora.
Caracterizado como um western de vampiro, o filme vai além, trazendo simbolismos influenciados por cineastas como Luis Buñuel e Jim Jarmusch (este dirigiu o ótimo Amantes Eternos, também com vampiros) além de pequenos toques do terror, mas sem o objetivo de te assustar. A história do filme é simples, porém são seus elementos estéticos que fornecem uma maior profundidade à mensagem e ao tipo de arte que a diretora propôs a mostrar em seus 100 minutos de tela. Na quase deserta e melancólica Bad City (uma cidade fictícia do Irâ), acompanhamos Arash, um jovem que vive com seu pai viciado em drogas e trabalha como jardineiro e “faz-tudo” na casa de uma família rica. Após uma festa à fantasia, ele se perde na cidade e encontra uma misteriosa garota que vive sozinha e é aí que inicia uma espécie de romance entre eles. Sem ser clichê no desenvolvimento dessa relação entre os dois, o filme investe em outros aspectos que se tornam mais importantes na trama. O fato dela ser uma vampira (algo que Arash não desconfia de imediato) não serve para uma paixão proibida, mas sim para desenvolver a personagem como dona de si mesma e uma vigilante em Bad City, afinal, para saciar a sede, suas presas são geralmente traficantes e abusadores de mulheres. Ana Lily Amirpour sutilmente constrói um importante discurso feminista em forma de metáfora. No início do filme, já de cara conhecemos um traficante que trata mal prostitutas, o qual entendemos que antes dele ser uma presa da garota vampira, já vinha sendo observado pela mesma há algum tempo. O mesmo quase pode ser aplicado para um garotinho que sempre está à espreita para roubar os poucos habitantes daquela cidade quase fantasma.

Por falar na cidade, ela é um poderoso personagem do filme. A diretora filmou tudo numa cidade californiana, mas deixando com cara de um Irã desolado.  A fotografia em preto e branco foi uma escolha especial para deixar aquele microcosmo mais desolado, porém belo. Muitas tomadas e enquadramentos do filme são enaltecidos justamente pela bela fotografia em p&b e trazem momentos bem contemplativos (alguns em excesso). Em grande parte do filme, uma usina da cidade é mostrada e seus ruídos recorrentes dia e noite são parte essencial para a estranheza do cenário que é Bad City.
Apesar de ter sido filmado nos EUA, o filme é todo falado em persa, algo que dá uma singela característica poética ao roteiro com poucos diálogos. A trilha sonora é outro fator que se destaca. Repleta de várias faixas com rock persa, há uma bela cena específica onde toca ‘Death’, música da banda britânica White Lies, que sua letra condiz com o momento retratado enquanto a música está rolando no próprio quarto da garota vampira. Yes, this fear’s got a hold on me…

No elenco, são as atrizes que mais se destacam. Sheila Vand que interpreta a personagem título, possui um olhar que mescla entre o desamparo e a força, tornando-a uma vampira estranhamente interessante. Por falar em olhares, o gato de estimação que aparece em algumas cenas possui o olhar mais detalhista de todo o filme, ganhando um close-up tão belo e enigmático, que se fosse emoldurado daria um lindo quadro. A atriz Mozhan Marnò (que fez a jornalista Ayla Sayyad em House of Cards) interpreta a prostituta que ganha a proteção da vampira, e ela consegue demonstrar seus medos e suas frustrações assim como seus desejos internos de mudar de vida. Já Arash Marandi, que possui mais tempo em tela, não entregou uma performance tão interessante. Seu personagem, Arash, é mostrado no início do filme como um rapaz à la James Dean, usando jaqueta e topete no cabelo. Porém, faltou um pouco mais de profundidade em seu desenvolvimento, especialmente em sua relação com o pai.
Garota Sombria Caminha Pela Noite não é um filme para todos, mas para quem está sempre com a mente aberta a fim de conhecer obras diferentes como essa, certamente é um filme para ser visto e apreciado.

Um pouco da trilha do filme:

FICHA TÉCNICA:

Gênero: Drama, Fantasia, Terror
Direção: Ana Lily Amirpour
Roteiro: Ana Lily Amirpour
Elenco: Sheila Vand, Arash Marandi, Mozhan Marnò, Marshall Manesh, Dominic Rains, Rome Shandaloo, Milad Eghbali
Produção: Justin Begnaud, Sina Sayyah, Elijah Wood
Fotografia: Lyle Vincent
Direção de arte: Sam Kramer
Figurino: Natalie O’Brien
Título Original: A Girl Walks Home Alone Tonight
País: EUA
Ano: 2014



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