CultEcléticos : ENCARTES POÉTICOS: Uma Pena Pequenina / Banda A Simetr

Nesta edição de Encartes Poéticos eu trago para vocês “Uma Pena Pequenina”, CD da Banda A Simetria, formada por Voz: Fabio Fogo / Bateria: Rodrigo Ximenes / Guitarra: Samuel Vianna / Baixo: Thiago Mu. Este é um ‘post’ especial por ser fã do trabalho da banda, que oferece ao público um Rock n´Roll de altíssimo nível, belas letras e canções. Recomendo ouvirem as músicas que estão no site clicando aqui. No site você também vai poder ler as poesias e o belo conto Uma Pena Pequenina, que dá título ao álbum.

A simetria é definida como tudo aquilo que pode ser dividido em partes, sendo que ambas as partes devem coincidir perfeitamente quando sobrepostas.

É o que acontece no álbum “Uma Pena Pequenina”, da Banda A Simetria, um trabalho diferenciado que narra a história de um menino de rua, criado por um índio, e, apesar da atualidade do tema, nos remete ao conto de tradição oral, aqueles que eram narrados na antiguidade pelos xamãs ao redor do fogo e, num passado mais recente, pelos nossos avôs, sempre rodeado por netos e ouvintes atentos que não dispensavam uma boa contação de histórias. E, ao mesmo tempo, temos as canções que embora possam ser ouvidas uma a uma sem necessariamente conhecermos o conto, é possível perceber que elas nos remetem a importantes trechos da narrativa e podem ainda nos servir de trilha sonora ao lermos “Uma Pena Pequenina” no site ou no folheto que acompanha o CD.

A prosa casando com a poesia e as melodias das canções. Ou seja, A Simetria.A faixa 12 do CD traz a história do Pena Pequenina, personagem central do enredo narrado em 1ª pessoa por Don Caboclo:

Há muito tempo atrás, me deram o nome de Dom Caboclo. Sou gente antiga, muito antiga. Conheci gente de todo canto, e com todo tipo de fé, de luta e de couraça. Nasci na fronteira dos sete ventos, ao som da reza brava do capim de ribanceira, e sou conhecido pelas pessoas dessa geração como o preto louco das madrugadas mal cheirosas. Mas de louco eu não tenho nada, também não venho pra contar a minha história, vou contar aqui, a história de um menino, que assim como eu, nasceu numa lua chorosa, mas de muito gosto.

O índio deu a ele o nome de Pena Pequenina, porque era leve e franzino. Não dava um palmo de mão quando fora encontrado.

Ler o conto completo...

Uma narrativa instigante e envolvente, que nos faz se apegar ao protagonista, que, apesar de viver na rua e ter sido abandonado por seus pais, aprendeu com o velho índio valores importantes como o amor e a solidariedade. Um menino educado peala parábolas do sábio índio: “O pássaro sempre será pássaro, cortem suas asas ou não”.

O conto traz também uma crítica social às diferenças de classes, sobretudo quando Pena Pequenina se apaixona por Sara, filha deu um coronel da polícia, e sua odisseia para reencontrar a menina que vira apenas uma vez no sinal, enquanto fazia malabares.

Mais forte que o desprezo daquele cidadão, o olhar daquela garota como um encanto hipnotizante fez Pena ficar ali, parado, contemplando pelos poucos segundos que o sinal de trânsito ainda lhe garantia, aquele gesto que muito provavelmente jamais veria.

O CD contém 12 faixas:

A Simetria

(Fábio Fogo)

Dona dos Prazeres (Fábio Fogo)

Cientista do Destino (Fábio Fogo)

Se a Gente Escrever (Fábio Fogo e Diego Henrique)

O Palhaço e a Rosa (Fábio Fogo)

Porta a Fora do Sagrado (Fábio Fogo)

Influência (Fábio Fogo)

Banquete dos Heróis (Fábio Fogo)

Pérola Negra (Fábio Fogo)

Apenas o Começo (Fábio Fogo e Samuel |Vianna)

Que o Vento Continue a Bater (Fábio Fogo)

Uma Pena Pequenina (Fábio Fogo)

Ouvir...

Destaque para algumas músicas:

A Simetria: um poema musicado que traz uma linguagem metafórica e a busca por um interlocutor que possa receber e decodificar sua mensagem, como se falasse diretamente aos artistas, para estes não ignorar a arte que está dentro de si. O eu-lírico faz o uso de antíteses (equilíbrio / desequilíbrio; existente / inexistente; perfeito / imperfeito; simetria / assimetria) para aproximar o sonho da realidade dentro da capacidade do ser humano de se equilibrar entre termos tão antagônicos.

Dona dos prazeres: o ser diante do espelho. O Narcisismo. Uma tentativa de viver a vida como se fosse uma grande festa. Mas um dia tudo isso pode acabar.

Cientistas do Destino: uma das músicas mais bonita do álbum, que traz a frase “Do pássaro que sempre será pássaro cortem suas asas ou não”, que remete frase dita pelo índio, que criou Pena Pequenina, no conto.

Se a gente escrever: O futuro acontece se a gente escrever. O valor da linguagem escrita. Também é uma letra que fala de sonhos, tema abordado em quase todas a canções, que nos leva a pensar a obra em si como a realização do sonho do poeta, que pode encontrar o seu igual através do som poderoso e bem executado da banda, das letras, da arte que ilustra o encarte (um trabalho primoroso de Fábio Fogo). Se você tem um sonho, corre atrás!

O sonho é real, a criança já cresceu

Hoje estou aqui e o mundo me mostrou

Que o futuro só acontece

Se a gente escrever

Porta afora do sagrado: Somos malabaristas da vida. Um convite: “Senhoras e senhores o meu circo é bom.” Dialoga com o personagem central do conto “Uma Pena Pequenina” e consegue poetizar uma cena triste, mas corriqueira na Cidade Grande, no conto chamada por Dom Caboclo de “Dona dos Prazeres”, e emoldurar em quadro a cena para não esquecermos. Temos aqui uma forte crítica social:

Porta a fora do sagrado:

Um menino disfarçado

De mendigo ou de palhaço?

Sinal vermelho é o seu trabalho

As músicas e o conto formam um todo, como se as letras fossem inspiradas na história de Pena Pequenina. Ou seria o conto inspirado nas canções? Isso não importa, pois a sobreposição entre ilustração, prosa e poesia é simétrico e atinge o resultado esperado, surpreender e emocionar o ouvinte e / ou leitor da obra.