segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Revisitando Filmes #3 | Princesa Mononoke (1997)


Texto publicado originalmente em setembro de 2016

Há mais ou menos 1 ano criei esta coluna com o objetivo de escolher filmes para rever e posteriormente analisá-los sob uma ótica nova e trazer para vocês leitores, um texto carinhoso sobre diversas obras das mais variadas épocas. Por isso escolhi filmes não tão vistos pelo grande público, justamente para despertar o interesse daqueles que ainda não assistiram a essas obras. O primeiro texto dessa coluna foi A Rosa Púrpura do Cairo de Woody Allen e o segundo foi sobre Festim Diabólico do mestre Hitchcock, ambos filmes de diretores famosos, mas que se comparados com outros dirigidos por eles, não são tão conhecidos e badalados. Depois a coluna entrou num grande hiato devido a uma imensa falta de tempo. Mas, há algumas semanas decidi que a coluna deveria voltar, e, mesmo com uma vida atribulada, vi que esse projeto tão especial para mim não deveria morrer.
Então, ao rever o belíssimo Princesa Mononoke do diretor Hayao Miyazaki, vi que com este filme seria a oportunidade certa de trazer a coluna de volta. Eu sou uma fã apaixonada por Miyazaki e por toda a sua filmografia e a história do Studio Ghibli (que pra mim é o melhor estúdio de animação do mundo!). Sua sensibilidade ao criar personagens e histórias magníficas é um dos pontos fortes quando estamos assistindo suas obras e com Princesa Mononoke, essa percepção é aumentada à infinitésima potência. Digo isso, porque é o filme mais denso e maduro do diretor, onde ele consegue tratar temas tão delicados sob um viés fantástico, mas que nunca deixa de ser tão realista.
Lançado em 1997 (ano em que eu ainda não fazia ideia de quem era Miyazaki), Princesa Mononoke ganhou grande visibilidade uma vez que foi distribuído pela Miramax no mercado norte-americano e teve como dubladores vários atores famosos de Hollywood. Não sei como foi o trabalho da dublagem americana (e da brasileira também), mas as animações japonesas sempre são mais especiais para mim quando vistas na sua língua original porque possuo um carinho enorme pelo idioma e quem sabe um dia eu aprenda a falar japonês fluentemente.

A partir da primeira cena, já podemos de cara constatar o tom fabulesco e surreal que o filme propõe. Em meio a calmaria de uma vila rural, nos deparamos com um enorme javali enfurecido coberto por uma grossa pele cheia de tentáculos em direção a alguns habitantes da vila. Entre eles está Ashitaka, um dos protagonistas da história e aquele personagem que irá representar a voz da razão dentro do conflito que é instaurado ao longo da trama.
Ao tentar conter a fúria do javali e proteger a população de sua aldeia, Ashitaka é gravemente ferido e consequentemente amaldiçoado pela magia estranha que possui o corpo do animal. E é a partir daí que mergulhamos na jornada de Ashitaka em busca de uma cura e nos deparamos com duas personagens femininas incríveis e muito bem construídas: San, a garota lobo também conhecida como Mononoke Hime, e Lady Eboshi, a líder de uma comunidade próxima à floresta onde os lobos vivem.  Ao conhecer essas personagens nos deparamos com uma história moldada pela valorização da mais pura essência da natureza e pelos conflitos que a cercam.
Princesa Mononoke é referido como um filme sobre a relação entre homem e natureza, contudo, esse tema vai além do senso comum, uma vez que a estória é contada sob um aspecto forte e verdadeiro (e claro, muito atual!) que converge para a falta de harmonia entre o ser humano e a Mãe Natureza. Por isso, este é o filme mais adulto e pesado de Miyzaki, onde ele está disposto a mostrar de forma crua e através de inúmeras metáforas o quanto é triste a realidade do Planeta e cenas envolvendo sangue podem ser vistas em trechos do filme, mas não como uma violência gratuita e sim representando uma verdade muito orgânica.

O que torna os personagens tão ricos e interessantes é a maneira que são retratados, pois mesmo em meio a uma grande guerra entre eles, nenhum é rotulado como o verdadeiro vilão. San representa a verdadeira heroína e guerreira da floresta, que mesmo odiando os humanos, protege Ashitaka e o ajuda na busca pela cura da maldição sofrida por ele. Lady Eboshi está disposta a matar “as bestas” que ameaçam sua comunidade e sua atividade econômica à base de minérios. Entretanto, ela é uma pessoa que mostra ter compaixão e empatia ao abrigar e proteger prostitutas, doentes e todos aqueles que eram marginalizados da sociedade do século 14 no Japão. Ashitaka representa a consciência, aquele que traz a mensagem pacifista para a história. Não é à toa que seu nome significa “amanhã”.
O núcleo de coadjuvantes é outro ponto relevante dentro da trama. Vários clãs samurais se envolvem no conflito, representando verdadeiros oportunistas, que estão interessados apenas em tirar vantagem em relação aos minérios que sustenta a comunidade de Lady Eboshi. E ainda temos Jigo, uma espécie de monge que representa o Imperador do país.
Além dos humanos, o filme também traz animais e seres fantásticos que representam a força da natureza perante a iminente destruição daquela floresta mística, fazendo uma clara alusão aos ecossistemas do nosso planeta, os quais há séculos vêm sofrendo com a intervenção humana. E no centro de toda a história de Princesa Mononoke está o Shishigami, que representa a divindade suprema da natureza ilustrado por uma enorme e linda figura que lembra bastante um nativo americano.
Um fato curioso que pode-se observar sobre a relação de amizade e cumplicidade entre San e Ashitaka é a semelhança que ambos possuem com Nausicaa, personagem título de um dos primeiros filmes de Miyazaki, Nausicaa do Vale do Vento. Os dois são como uma mistura de Nausicaa, representando a bravura e a consciência.

Além da complexidade presente em todos esses personagens, o filme é maravilhosamente composto por uma elegante cenografia. As cores exuberantes e variadas, os movimentos das cenas de ação e é claro as lindas paisagens, fazem desta, uma das animações mais densas e belas de todos os tempos. Com certeza, após assistir Princesa Mononoke, você não será mais o mesmo e você carregará pra sempre lindas cenas como por exemplo, todas em que San aparece com sua matilha de lobos gigantes e é claro, o momento que a verdadeira forma do Shishigami é revelada. A trilha composta por Joe Hisaishi é um deleite para os ouvidos, com canções belíssimas que dão mais grandiosidade para o longa.
Princesa Mononoke não é apenas um filme ecológico, mas também uma análise séria e contemplativa sobre o feminismo, o meio ambiente, guerra e pacifismo, o sofrimento humano, a vida e a morte. Por falar em feminismo, é muito claro que em toda a sua carreira Miyazaki tem se mostrado um cineasta profundamente feminista, tornando-o um dos diretores mais maravilhosos que existe. (Basta lembrar de outras grandes personagens em outros filmes: Nausicaa,já mencionada acima, Kiki, Chihiro, Ponyo, Sofi.) Portanto, Princesa Mononoke e toda a sua filmografia são obras essenciais para todo cinéfilo.

Ficha Técnica:
Título original: Mononoke Hime; Gênero: Animação, Drama, Fantasia; Direção: Hayao Miyazaki; Roteiro: Hayao Miyazaki; Produção: Toshio Suzuki; Trilha Sonora: Joe Hisaishi; Fotografia: Atsushi Okui; Duração: 124 min.; Ano: 1997; País: Japão

Música tema de Princesa Mononone tocada por Joe Hisaishi e New Japan Philharmonic World dream Orchestra na comemoração de 25 anos do Studio Ghibli:



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