segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Crítica de série | Mr. Robot (2ª temporada)


Aviso: Contém spoilers da 2ª temporada. Leia por sua conta.
“Controle é uma ilusão”

Os primeiros momentos do nosso regresso ao mundo deformado de Elliot nos guiam através de uma rotina diária tediosa para o personagem: acordar, comer, assistir o basquete do bairro com seu novo amigo Leon, dormir…tudo isso num loop repetitivo para ele como uma forma de “desintoxicação” do mundo digital após o grande hack. Ao assistirmos a sua luta quase desesperada contra a psicose através da repetição, entendemos o seu medo de que se esse ciclo se quebrar, o seu alter-ego Mr. Robot entrará novamente em ação, controlando sua mente e suas ações.
No entanto, fora dessa nova rotina em que Elliot se encontra, testemunhamos o mundo quebrado que ele deixou para trás. A economia dos EUA se desestabilizou fortemente após o grande hack contra o mercado financeiro e as grandes corporações configuradas na figura da E Corp (ou Evil Corp, como nós e Elliot gostamos de chamar). E é partir daí que acompanharemos as consequências desse fatídico clímax da temporada passada, iniciando a caçada contra os suspeitos pelo hack: o grupo FSociety, a chinesa Dark Army e o ex-figurão da E Corp, Tyrell Wellick, cujo misterioso desaparecimento torna-se o enigma que permeia a temporada inteira.

Muito parecida com a 1ª temporada, os aspectos técnicos continuam elegantemente brilhantes. A fotografia impecável e os enquadramentos incomuns, onde os personagens são colocados no canto da tela, continuam como dois dos grandes destaques da série. Vale lembrar que o criador da série, Sam Esmail, dirigiu todos os 11 episódios dessa segunda temporada, colocando em seu trabalho de câmera toda a insanidade que está em sua mente como roteirista e idealizador da história. Destaco também a excelente trilha sonora original que mais uma vez é composta por Mac Qayle, tornando tudo mais claustrofóbico e perturbador, sem contar a trilha não-original, que contou com músicas escolhidas a dedo para enriquecer determinadas cenas, especialmente no último episódio onde ouvimos ‘The Hall of Mirrors’ do Krafwerk numa cena onde a letra da música casa perfeitamente com o momento e com a dúvida que ainda está na nossa cabeça sobre o reaparecimento de Tyrell e sua relação com Elliot. Outra música sutilmente metafórica que embala uma das melhores cenas da temporada é ‘The Moth & the Flame’ do Les Deux Love Orchestra, tocada também no último episódio, onde após a agente Dom tentar interrogar Darlene, revela o minucioso plano do FBI. Mas mesmo assim, algo como isso talvez jamais fará Darlene se enfraquecer, afinal, “a mariposa não se importa se o fogo é real e pode queimá-la”.
Mas um fator nesta temporada é bem diferente do que foi na primeira: o ritmo e alguns pontos do roteiro. Na primeira, acompanhamos Elliot na jornada que culminou no grande hack. Na segunda, a trama se tornou mais incrementada, uma vez que várias subtramas foram acontecendo paralelamente, deixando mais perguntas que respostas para nós expectadores. E isso em Mr. Robot é algo mais positivo que negativo, afinal qual a graça de acompanhar uma história se sacarmos os enigmas facilmente?! Portanto, se você também ficou confuso em alguns momentos, considere isso como completamente normal. E é justamente essa confusão que nos deixa mais e mais interessados em acompanhar todos aqueles personagens malucos e ao mesmo tão reais como nós.


E por falar nos personagens, passamos o início da temporada acompanhando a caótica relação entre Elliot e o Mr. Robot, onde este estava tomando o controle para proteger Elliot do mundo real. Contudo, acho que o plot twist sobre a prisão foi revelado um pouco tarde (no episódio 7), onde Sam Esmail poderia ter enxugado esse plot apenas em 4 episódios. E como é maravilhoso assistir Rami Malek em cena. Ele é uma força da natureza, e aqui sua atuação continua excelente como foi na primeira temporada, a qual lhe rendeu o merecido prêmio de Melhor Ator no Emmy este ano.
Esta temporada também investiga regiões de política acirrada e caos social, onde tanto o FBI e a China tornaram-se grandes jogadores. E mistérios como o envolvimento da Dark Army no grande hack e a criação da Fase 2, foram pontos fundamentais para o desenrolar da trama, deixando, é claro, questões para uma próxima temporada. E voltando a falar dos personagens, vimos o crescimento das maravilhosas personagens femininas: Angela e seu envolvimento na E Corp; Darlene e seu temperamento forte (e ao mesmo tempo frágil); Joanna Wellick e seu poder manipulador. Mas uma nova personagem feminina foi o grande destaque. Interpretada pela atriz Grace Gummer, acompanhamos a determinação da agente Dominique DiPierro em buscar os responsáveis pelo grande hack de 9 de maio, mas também vimos o quanto solitária ela é (com direito a uma relação estilo o filme ‘Ela’ de Spike Jonze).

Se na temporada passada já testemunhamos que Sam Esmail possui uma mente insana, nesta temporada pudemos ver que a loucura do seu roteiro está mais gritante, com roteiros inteligentemente elaborados e cenas quase surreais, que parecem ter sido tiradas de Twin Peaks do David Lynch. (Como não esquecer aquela cena maluca entre a Angela e a garotinha e aquelas perguntas existenciais do joguinho Land of Ecodelia assim como a conversa posterior entre Angela e Whiterose.)
Não é toa que Mr. Robot está entre as melhores séries de tv, onde questionamentos que refletem sobre a luta perpétua pela existência estão sempre presentes (Para que você vive e o pelo que você luta?; Como você vê seu futuro?; A vida realmente importa?; Vivemos num mundo de ilusões?) Aqui Esmail não só examina os alcances mais obscuros da psique humana, desde a perda de identidade e depressão, mas também aborda temas explorados metaforicamente no que diz respeito a ilusão criada pelas religiões e as divisões cada vez maiores em termos de riqueza e poder.
Em meio a personagens incríveis e uma trama inteligente cheia de camadas, Mr. Robot é uma daquelas séries que têm tudo para entrar no precioso hall de obras –primas da tv, como aconteceu com Breaking Bad. Teorias não faltam depois do final dessa temporada, onde algumas perguntas foram respondidas de forma sutil (como o que aconteceu com Elliot nos 3 dias após o hack), mas outras tantas perguntas provavelmente só serão respondidas na 3ª temporada. E o que a Trenton estava propondo para o Mobley na cena pós-créditos? Será que ela sabe como desfazer o hack gerado pela FSociety? Se você também terminou essa temporada pensando em várias teorias, junte-se ao clube. Assim como o Elliot estava nessa temporada, ainda não sabemos de quase nada. Mas, uma simples pergunta na cena pós-créditos dá brechas para possíveis acontecimentos: “Vocês têm horas?”  

Trailer da 2ª temporada:

FICHA TÉCNICA:
Criador da série: Sam Esmail
Roteiro: Sam Esmail
Direção: Sam Esmail
Elenco: Rami Malek, Christian Slater, Portia Doubleday, Carly Chaikin, Martin Wallstrom, Michel Gill, Grace Gummer, BD Wong, Craig Robinson, Sunita Mani, Michael Cristofer, Stephanie Corneliussen, Azhar Khan, Michael Drayer,Ben Rappaport, Ron Cephas Jones, Gloria Reuben, Brian Stokes Mitchell, Jeremy Holm, Joey Bad$$, Omar Metwally, Sakina Jaffrey, Vaishnavi Sharma
Trilha sonora: Mac Quayle
Fotografia: Tod Campbell, Tim Ives
Design de produção: Stephen Beatrice, Matthew Munn
Direção de arte: Alisson Ford, Anastacia White
Duração de cada episódio: 45 min.
Gênero: Drama, Thriller 



Nenhum comentário:

Postar um comentário