Crítica de Filme | Os 8 Odiados (2015)

Escrito e dirigido por Quentin Tarantino, Os 8 Odiados é um western ambicioso que trata de fraude, traição e é claro, um pouco de baldes de sangue.

No período pós-Guerra Civil, o caçador de recompensas John Ruth (Kurt Russell) tem a tarefa de escoltar a criminosa Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh) até Red Rock, local onde ela está destinada a ser enforcada pelos seus crimes. Ao longo do caminho, eles encontram outro caçador de recompensas chamado Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson) e Chris Mannix (Walton Goggins), um renegado do sul que afirma ser o novo xerife da cidade.

Uma nevasca força o quarteto a se abrigar em uma cabana chamada Armarinhos da Minnie onde encontram quatro estranhos: Bob “O Mexicano”(Demian Bichir), Oswaldo Mobray (Tim Roth), Joe Gage (Michael Madsen), e o ex-general confederado Sanford Smithers (Bruce Dern). À medida que a tempestade aumenta, os oito estranhos desagradáveis percebem que as próximas horas juntos não serão nada fáceis.

Este, que é oitavo filme de Quentin Tarantino, é um amálgama de seu último filme, Django Livre, e seu primeiro, o thriller de 1992 Cães de Aluguel. Em Cães, oito homens são apanhados em um roubo de diamantes que deu errado. Depois de um tiroteio mortal com a polícia, os ladrões sobreviventes encontram-se em um armazém vazio onde eles descobrem que um deles é um policial disfarçado.

Em Os 8 Odiados, um octeto de canalhas está encalhado em um esconderijo aparentemente acolhedor. Mas, como o personagem John Ruth salienta: “Um desses caras não é quem ele diz ser”. Em vez de diamantes, o prêmio é Domergue, uma assassina com uma recompensa de US $ 10.000 em sua cabeça. Enquanto a tempestade se enfurece no exterior da loja, alianças são feitas, mentiras e enganos estão espalhados e a confiança está longe de ser encontrada.

Por mais de uma década, os filmes de Tarantino têm sido elegantes fantasias de vingança. Em Kill Bill, A noiva está em uma missão para matar o homem que tentou assassiná-la. Em À Prova de Morte, quatro mulheres perseguem aqueles que seriam seus assassinos e dão uma bela lição a eles. Em Bastardos Inglórios, soldados judeus americanos caçam nazistas e planejam matar Hitler e uma garota judia prepara uma bela vingança pela morte de sua família, e em Django Livre, um escravo liberto busca vingança contra o homem branco.

Em Os 8 Odiados, ele está mais preocupado com a natureza humana – as mais feias, as peças mais repugnantes do ser humano. Como Cães de Aluguel, Pulp Fiction e Jackie Brown, o filme é cercado de mentirosos e ladrões – vigaristas apanhados em seus próprios jogos de confiança. Tarantino utiliza através de seu excelente roteiro o que circunstâncias extremas fazem com as pessoas e com a natureza mutável da lealdade e traição.

Com performances fantásticas de todo o elenco especialmente Jackson, Russell, Leigh e Goggins, este é com certeza um dos trabalhos mais gratificantes e maduros de Tarantino. Ao longo dos anos, ele cresceu e muito como cineasta e seu trabalho de câmera mostra-se mais aperfeiçoado. Desde o figurino até o design de produção, com a trilha sonora tensa e assustadora de Ennio Morricone, o filme é impecável. 

Discreto em alguns momentos, mas excessivo em outros, Os 8 Odiadosé motivado por um amor ao cinema. Sem contar que a obra é repleta de críticas sociais à construção da nação norte-americana. Desde o preconceito contra negros e imigrantes mexicanos, as críticas também percorrem o genocídio dos índios e a presença do britânico que está ali apenas para “cumprir seu dever”. Vemos como o Major Warren utiliza uma carta do presidente Lincoln para tentar ser respeitado pelos homens brancos; vemos que mesmo com o término da Guerra de Secessão, a intensa rivalidade entre Norte e Sul está presente em diálogos importantes; vemos como a única mulher no meio dos outros sete odiados, não se deixa abalar com a violência que ela sofre ao longo do filme. Em meio aos socos e banho de sangue em que ela é submetida, Domergue faz disso um escárnio para sua própria situação. E Jennifer Jason Leighrouba a cena nos 187 minutos de projeção. Posso dizer que Tarantino é um diretor totalmente feminista. Em toda a sua carreira, as suas personagens femininas nunca estão em papeis submissos aos personagens masculinos. Sempre são elas que revertem a situação e são responsáveis pelas belas reviravoltas dos filmes. A cena em que Domergue pega um violão e canta uma música sobre vingança é genial e construída de uma forma sutil dentro da narrativa.

Outro ponto forte do filme é a maneira como Tarantino e seu diretor de fotografia Robert Richardson preenchem o quadro com os personagens, permitindo que você aprecie certas nuances de cada um deles e estude suas expressões.  E o trabalho de design de produção também é outra característica que torna a interação dos personagens num verdadeiro jogo mortal e claustrofóbico.

Infelizmente aqui no Brasil o filme não foi exibido em 70mm (Tarantino utilizou uma Ultra Panavision 70 com lentes anamórficas), entretanto a experiência de conferir uma grande e bela obra cinematográfica não foi comprometida. Obviamente, a versão no formato 70mm deve ter conseguido abranger detalhes que transformam o filme ainda mais espetacular visualmente falando.

Os 8 Odiados certamente é um dos filmes mais belos de Tarantino. É o tipo de obra que nos faz lembrar a magia que é ver filmes na tela grande; uma experiência religiosa para aqueles que ainda têm fé na arte revigorante do cinema.

Trailer legendado:

FICHA TÉCNICA:

Gênero: Ação, Drama, Western
Direção: Quentin Tarantino
Roteiro: Quentin Tarantino

Produção: Richard N. Gladstein, Stacey Sher, Shannon McIntosh
Elenco: Samuel L. Jackson, Kurt Russell, Jennifer Jason Leigh, Walton Goggins, Démian Bichir, Tim Roth, Michael Madsen, Bruce Dern, James Parks, Channing Tatum, Dana Gourrier, Zoe Bell, Gene Jones, Lee Horsley, Belinda Owino, Keith Jefferson, Craig Stark
Trilha Sonora: Ennio Morricone

Fotografia: Robert Richardson

Montagem: Fred Raskin

Figurino: Courtney Hoffman

Design de produção: Yohei Taneda

Duração: 187 min.

Ano: 2015

País: EUA