terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Conto: 'Presente de Natal', de Natanael Otávio


I

       Sempre nas noites de véspera de Natal, Papai Noel escondia um presente (uma bola, um boneco, um carrinho...) debaixo da minha cama e da do meu irmão, para que os encontrássemos de manhã e, contentes, começássemos o dia mais aguardado do ano.

       Brincávamos fazendo o maior barulho, só para acordar a minha irmã, que se levantava preguiçosamente e, com um sorriso fraternal, nos presenteava com roupas novas e bonitas.

       Para o café da manhã não tínhamos panetone, mas sim o bolo que mamãe fazia, recheado com doce de leite, bananada e goiabada, e molhado com tubaína – ela fazia um furinho na tampa da garrafa e sempre guardava um restinho do refrige­rante para eu beber, o que me deixava ainda mais contente.

       Na TV, a programação infantil era especial nesse dia: os desenhos animados traziam muitas aventuras envolvendo o Papai Noel e seus duendes, os presentes, as crianças e muito mais.

       E no almoço tínhamos a família toda reunida à mesa para saborearmos um delicioso frango assado, com arroz temperado e macarronada – cardápio que, naquela época, era exclusivo do Dia de Natal.

II

       Sempre nas noites de véspera de Natal, papai Manoel escondia um presente debaixo das camas, na minha e na do meu irmão. Mas o Natal mais marcante até hoje foi aquele em que acordei ansioso, olhei debaixo da cama e não encontrei embrulho algum, apenas o vazio que meus olhos enxergaram – e o vazio que se instalou dentro de mim. Foi um sentimento de perda, sem saber ao certo o que realmente eu havia perdido.

       Seria o presente? Simplesmente o presente de Natal?

       Como poderia ser se nem cheguei a ganhá-lo naquela manhã de 25 de dezembro de 1991?

       Seria o mito do Papai Noel?

       Não, não era. Há tempos já sabia que o bom velhinho não existia de verdade – ele deixara de ser real para ser apenas uma fantasia na qual eu fingia acreditar.

       O que eu havia perdido, então?

       Essa questão ficou a martelar dentro de mim desde o ins­tante em que encontrei o vazio debaixo da cama até o momento em que eu pude compreender, pelo menos em parte, o que estava acontecendo.

       Eu estava deixando de ser a criança que até então acredi­tava ser, que eu imaginava que meu pai e todos ali em casa acreditavam que eu ainda era. E, mesmo que dissesse que era cedo para crescer, todos, inclusive eu mesmo, perceberam, diante daquele vazio, que isso já não era mais verdade.

      E foi assim que saí do quarto para pisar o mundo que já não era mais o mesmo, porque eu não era mais o mesmo. Pois quando se cresce, nada mais é tão simples, e nada mais aconteceria assim tão fácil...

       A felicidade já não viria mais embrulhada como um presente de Natal.
















Conto presente no livro Reconstruções, uma coletânea de contos e poesias que apresenta, com sensibilidade, os percalços dos relacionamentos humanos e a autodescoberta que eles envolvem.






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